Continuação da história do NAeL Minas Gerais, do livro "Estórias Navais Brasileiras".
A conquista de um embaixador
O embaixador do Brasil na Holanda chamava-se Joaquim de Souza Leão e era um diplomata de velho estilo. Culto (como hobby intelectual, estudava profundamente as repercussões na Holanda da ocupação do Brasil no século XVIII), extremamente bem-educado e orgulhoso das funções que exercia como representante de seu país, que não aceitava serem diminuídas. E, como decano do corpo diplomática em Haia, era amigo da casa reinante e gozava de muito prestígio.
Quando assumi a presidência da Comissão de Construção e a ele me apresentei, recebeu-me friamente e formalmente, cumprindo rigorosamente suas obrigações funcionais e nada mais. As razões desta atitude nunca descobri.
Achei que seria importante se conquistássemos, além da cooperação oficial, sua aiade e interesse. Fiz-lhe algumas visitas, mas não conseguia romper aquela muralha.
Quando o reparo do navio estava bem adiantado, decidi fazer outra tentativa de aproximação, indo além dos contatos sociais. Convidei-o por escrito para proceder a uma inspeção, como a maior autoridade brasileira na Holanda. Já nessa época tínhamos o rancho a bordo, mas concentrado na coberta da guarnição, com um cardápio único. Propuseram-me ajeitar rapidamente a câmara e encomendarmos um bom almoço em restaurante da cidade. Recusei, preferindo que ele comesse conosco, na mesa de fórmica, sem toalha, só o dispensando de entrar na fila de servir.
À sua chegada formaram todos os oficiais - uns 60 - e, embora legalmente ainda não fôssemos um navio de guerra, prestamos-lhe todas as honras de estilo: apitos, toques continências, etc.
Visivelmente, o cerimonial agradou o velho diplomata. Depois mostrei-lhe minuciosamente os serviços de modernização do navio, entrando em detalhes, mostrando-lhe as nossas dificuldades e planos de trabalho, coo faria a um almirante. E, no rancho, que consistia numa tremenda feijoada (com feijão africano), iniciei a refeição com uma fala - no estilo holandês -, dizendo-lhe que o recebíamos ali com prazer, como um dos nossos, e o mais graduado, e não como uma visita de cerimônia.
Já aí se havia ele se rendido completamente, para o que cooperou o substancioso feijão, do qual, com certeza cansado da sofisticada dos jantares internacional, almoçou duas vezes.
Deste dia em diante passou o embaixador a ser o membro mais entusiasta da Comissão e Construção. O que lhe pedíssemos tinha acolhimento imediato, usando se necessário, todo o peso do seu prestígio.
Logo em seguida, uma situação crítica que atravessamos, vimos quão valioso eram os dividendo s desse investimento. Usando verba de equipamento, adquirimos na Inglaterra três helicópteros novos, Westland, que serviriam como anjos nas Provas de Vôo (helicóptero de socorro que acompanha o navio a pouca altura, pronto a recolher as vítimas de um eventual acidente), manteriam o adestramento dos pilotos e fariam funcionar as instalações e a organização do convés de vôo.
Como nos era impossível registrá-los internacionalmente como aeronaves - pois eram classificados como objetos voadores não identificados -, pretendíamos fazê-los voar diretamente da fábrica, em Lee-on-Solent, para o convés do Minas Gerais. Mas, no dia da travessia, o tempo fechou, com ventos fortes que poderiam lançá-los, na hora do pouso, de encontro a altos guindantes localizados no cais onde o NAe estava atracado. A prudência aconselhava que estacionassem antes no Heliporto de Roterdã, até que, com a melhorias das condições meteorológicas, pudessem ser transladados em vôo para o navio.
Telefonei para o diretor do Heliporto e ele perguntou-me pelos números de registro das unidades. Quando lhe informei que não tinham, respondeu-me que, neste caso, seria impossível me atender, pois os regulamentos a que devia obedecer vedavam-lhe receber helicópteros que não existiam.
Neste momento já eles vinham se aproximando de Roterdã e o problema tornou-se crítico. Lembrei-me então do embaixador, achando que só ele poderia nos socorrer. Chamei-o e expus-lhe o que acontecia. Imediatamente, ligou para o Príncipe Bernard, inspetor-geral da Aviação na Holanda. Mais uns minutos e o inflexível diretor holandês telefonava-me, afirmando que teria muito prazer em receber nossas aeronaves, que ali ficariam como hóspedes do Governo holandês o tempo que quiséssemos. Não sei como se traduz para holandês a palavra pistolão, mas tenho certeza de que a palavra existe, ou se não existe, faz muito falta ao léxico local.
No dia da incorporação do Minas, tive o prazer de, em nome da Marinha brasileira, condecorar o Embaixador Souza Leão com a Ordem do Mérito Naval, em seu grau máximo, de Grande Oficial. O que coroou uma grande, agradável e útil amizade.
Continua...
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