domingo, 26 de fevereiro de 2012

NAeL Minas Gerais - Episódios da invasão brasileira na Holanda - Parte I


Helio Leoncio Martins apresenta os primórdios da  história no NAeL Minas Gerais na Marinha Brasileira, no "Estórias Navais Brasileiras".

EPISÓDIOS DA INVASÃO BRASILEIRA NA HOLANDA

Foi preciso esperarmos três séculos para ser invertido o fluxo invasor da Companhia das Índias Ocidentais. E tudo começou por volta de 1958. Primeiro, alguns dirigentes, técnicos, engenheiros desembarcaram nos Países Baixos, Depois, mais e mais brasileiros invadiram Roterdã e Haia, ocupando apartamentos, restaurantes, bares boates, lojas, comunicando-se em uma língua arrevesada, misturando inglês, português e umas poucas frases tímidas em holandês.

Mas foram extremamente bem-vindos os invasores. Simpatia carinho, ajuda receberam em profusão na terra ocupada. Mesmo em alguns casos repetiu-se o rapto das sabinas, só que desta vez com aprovação das leis e da religião, e ao gosto das raptadas. Elas vieram alguns anos depois, como esposas brasileiras, colorir de loiro a morenice de nossas crianças.

Causou toda esta celeuma o primeiro navio-aeródromo incorporado à Marinha do Brasil - o Minas Gerais -, que se remodelava nos Estaleiros Velrome, fruto de um gesto de compreensão e habilidade política do Presidente Juscelino Kubitscheck.

O casco, adquirido na Inglaterra - do ex-Vengeance -, havia pertencido alguns anos à Marinha australiana. Um grupo de engenheiros navais, sob a direção do Almirante Olavo de Araújo (que tirara o brevê de piloto naval na Grande Guerra, e que, tendo se acidentado gravemente, interrompeu a sua carreira de aviador) e com ajuda norte-americana, trabalhou nos planos de modernização do navio, incorporando-lhe os últimos desenvolvimentos, como convés de ângulo, catapulta a vapor, espelho de pouso, equipamento eletrônico up to date, etc. A concorrência para a obra de remodelação foi vencida pelos Estaleiros Verolme, na Holanda, para onde todos se deslocaram.

Seguiam-se anos de trabalho árduo e de grande responsabilidade, pois as dificuldades, que eram de se esperar - tratando-se de um tipo de navio inteiramente novo para nós -, foram acrescidas pela preocupação de não haver falhas no processo, as quais, com certeza, seria exploradas ao máximo pelos gratuitos e surpreendentes membros de um Clube dos Inimigos do NAe que se formara no Brasil.

Coube-me a tarefa de dirigir a invasão em seu clímax, ultimando a obra de modernização e tendo que transformar aquele conjunto de aço e equipamentos em um navio de guerra, acrescentando-lhe a centelha de vida, que seria a guarnição motivada, de moral alta, e capaz de bem operar uma unidade com peculiaridades para nós originais.

A história de como se desenrolou nossa ação na Holanda já foi escrita minuciosamente nos relatórios, partes, livros no navio, e demais documentos oficiais. mas ao lado dela houve muitas estórias, hoje só contadas em festivais de reminiscências e de saudade, celebrados entre veteranos e reformados. São fatos, detalhes que não podem permanecer perdidos no passado e na memória dos que os viveram. Precisam ser revividos, pois fixam aspectos que normalmente são ignorados pelas novas gerações. E, quando contados a distância no tempo, permitem uma análise imparcial e realista, mais sob o ponto de vista do espectador do que do participante, independente de preconceitos e sem receios de interpretações pessoais.

Não se pretende que o que vai se contar siga uma seqüência cronológica, nem que cubra, num relato espesso, tudo o que se passou. Serão apenas episódios esparsos que virão à tona, como num papo de praça-d'armas, ao correr da memória, e julgados de interesse para quem os olha como algo de séculos atrás, mas que podem explicar muita coisa que hoje se passa.

A luta anti-NAe no Brasil

Antes de ser nomeado presidente da Comissão de Construção de Navios na Europa e futuro comandante do Minas Gerais, já havia sentido bastante o clamor despertado ante a decisão de sua compra, provocado em grane parte por rivalidade entre Forças Armadas, difícil hoje de se justificar e compreender. E que, no primeiro contato que tive com o problema, surpreendeu-me, porque não coincidia com minhas observações anteriores.

Em 1950, dirigindo o então CITAS - depois Centro de Adestramento Almirante Marques de Leão -, o relacionamento com a FAB era excelente. Punham me à disposição de cada Curso de Tática Anti-Submarino uma esquadrilha de quatro aviões Catalina sob o nosso comando direto. Para treinamento dos controladores aéreos dos Cruzadores Barroso e Tamandaré, construímos, na Base de Cumbica, réplica de um Centro de Informações de Combate em torno do radar SP que lá havia (semelhante aos que iriam ser instalados nos cruzadores) e praticávamos com bombardeiros A-20 e Caças P-47 (os melhores da FAB), operando a nosso serviço.

Mas, em 1957, regressando de uma comissão de dois anos e meio de levantamento hidrográfico no Rio Paraná, encontrei tudo mudado, com um radicalismo de lado a lado que impedia qualquer diálogo. A FAB não aceitava pessoal de Marinha nem como ascensorista, como se ironizava na época. E a Marinha se recusava a permitir qualquer interferência de aviadores em seus problemas técnicos e administrativos relacionados com aviação. E essa hostilidade transcendeu para o meio civil, com jornalistas aproveitando-se para fazerem campanhas acerbas contra a decisão governamental.

Um deputado salientou-se especialmente, procurando, entre outras coisas, demonstrar a inutilidade estratégica e tática daquele tipo de navio de guerra (!) e o preço fabuloso que por ele se estava pagando. Para provar esta última afirmativa, alinhava parcelas extravagantes, como o preço de um NAe pronto, mais o do casco que adquiríamos, mais o da reforma, mais os dos aviões que ele era capaz de operar (caças e de ataque), mais o dos que ele iria efetivamente embarcar (anti-submarino S-2-F) e o novo equipamento eletrônico - não pagamos nem os aviões e nem o equipamento -, que resultava numa gasto de mais de cem milhões de dólares, em vez dos trinta e poucos que foram despendidos.

Um jornalista - o repórter de mais nomeada na época -, escrevendo em revista de grande circulação uma série de artigos hostis ao NAe, alinhou um decálogo das medidas a serem tomadas em relação ao navio, cujo último mandamento rezava: "Finalmente, pô-lo à pique aos brados de Viva o Brasil!"

Um compositor popular, que ainda existe, fez um sambinha sobre o Minas, que, no breque final, para atender ao ritmo desejado ou à rima necessária, mas desprezando qualquer prova de idéia de justiça ou de verdade, cantava "... mas que ladrões!"

E era esta a atmosfera que tínhamos que enfrentar.

As equipes paralelas

Em plena equipe do contra fomos nomeados - o comandante, o imediato (CF Rezende Rocha), o oficial de operações (CF Roberto Monnerat) e dois oficiais do Departamento de Aviação (CC Leo Rosa e CT Cleumo Cruz) - e enviados para treinamento nos Estados Unidos. Imediatamente, a FAB obteve a indicação de um Tenente-Coronel (Edivio Sanctos) e quatro Majores (Perez, Dalalana, Gomes e Cruz), também como oficiais do NAe, para serem treinados conosco.

No dia de nosso embarque, num avião do Military Air Transport americano, a papelada dos aviadores ainda não tinha sido sacramentada. Então, surpreendentemente, o avião de transporte pifou e sua saída foi atrasada por 24 horas... Quando, no dia seguinte, chegamos ao aeroporto, estava ele tomado por aviadores - inclusive o brigadeiro comandante da chamada (e praticamente inexistente) força Aerotática Naval, meu contemporâneo da Escola Naval - e tivemos que abrir caminho quase à força no meio daquela multidão azul.

Logo que o avião suspendeu vôo - escoltado por caças da FAB (!) -, os cinco aviadores vieram se apresentar a mim, numa demonstração das excelentes figuras que eram, o que permitiu que nossa passagem pelos Estados Unidos fosse feita sem vexames para o Brasil. Edívio tinha sido assíduo frequentador da casa de minha família e nossa amizade era fraternal, como é até agora. Todos eles eram profissionais de primeira água, além de corretos e educados.

O nosso relacionamento pessoal foi sempre o melhor possível. Quando, nas apresentações nas escolas ou navios norte-americanos, os comandantes da US Navy se dirigiam a mim, como o mais graduado, e se referiam ao meu pessoal, eu retrucava que o meu grupo era apenas o da Marinha, os aviadores sendo provavelmente de "outro NAe que o Brasil estava comprando para a Força Aérea...". Mas a coisa era feita de maneira tão cordial e sorridente que só o lado anedótico era considerado.

Seguimos cursos em Norfolk, Newport e Filadélfia, e embarcamos no NAe Wasp, em operações com um Grupo de Caça e Destruição.

Em um Curso de Tática Anti-Submarino em Norfolk deu-se um fato que merece registro pelo seu lado cômico e original. Além dos brasileiros, atendiam ao curso oficias alemães embarcados em contratorpedeiros que recebiam dos Estados Unidos. Todas as aulas eram baseadas na experiências da Segunda Guerra Mundial, e, assim quando os instrutores falavam dos movimentos e táticas do inimigo, pois os comandantes mais antigos tinham sido submarinistas durante a guerra. E o inimigo às vezes discordava das afirmativas dos instrutores, dizendo que "nunca tinham feito aquilo, nem achavam que devessem tê-lo feito...".

Quando, findo o nosso estágio, seguimos para a Holanda, os aviadores também receberam ordem de nos acompanhar. Houve uma apresentação deles no Escritório da Comissão Brasileira, ensaiada previamente, na qual me disseram estar ali para servir no NAe. Pedi-lhes as credenciais e apresentaram-me um aviso do Ministro da Aeronáutica, sem referendo no Ministério da Marinha, pelo que, naturalmente, não os recebi. Cumprida a representação oficial, minha e deles, relaxamos, tomamos um cafezinho e continuamos amigos durante o ano inteiro que permaneceram em Roterdã, como turistas forçados... Só regressaram quando o Minas suspendeu para vir para o Brasil.

Estes detalhes mostram, passados tantos anos, o ridículo, a imaturidade que essas lutas entre Forças Armadas representam. A existência de um espírito de corpo é extremamente útil e um grande estímulo moral, mas não deve se ampliar a ponto de ser esquecido que acima dele há um espírito nacional a se levar em conta.

Nota-se que essas rivalidades, mesmo em países adiantados, são comuns, mas desaparecem quando grandes responsabilidades vitais o exigem.

Nos Estados Unidos, no início da guerra, circulou uma história que frisava bem este ponto. Quando do embarque dos B-25 do Exército no NAe Hornet para bombardear Tóquio - a primeira ação ofensiva americana após Peal Harbor -, contavam que, nas instruções dadas ao pessoal de bordo para receber os pilotos, foram os marinheiros aconselhados a serem bem gentis, porque "afinal de contas eles são nossos aliados...". E, numa peça de teatro de grande sucesso na mesma época, Comand Decision, um general-aviador nomeado para o Pacífico convida um coronel para seu chefe do Estado-Maior, dizendo-lhe: "Faremos um grande time: você combate os japs e eu combato a Navy..." Entretanto, com o correr da guerra, acabaram estas disputas sem nexo e razão, embora cada Força mantivesse personalidade e responsabilidade próprias.

CONTINUA ...

Estórias navais brasileiras

Inspirado pelo colega Francisco Miranda, do http://chicomiranda.wordpress.com/ , resolvi recuperar algumas "estórias" de um livro que tenho um carinho especial.

Em minha adolescência, em Nova Friburgo - RJ, era muito amigo de um certo Aluysio, cujo pai trabalhava na Cáritas Diocesana de Nova Fribugo, uma agência católica de ajuda.

Passávamos muito tempo na sede da Cáritas, ajudando a separar e organizar doações. Certa vez, nos deparamos com uma imensidão de livros que vieram do Grupo de Promoção Humana, um órgão da Cáritas. A sua biblioteca havia sido desativada, e os livros foram para o galpão da Cáritas, para doação. Ao ver nosso interesse pelos livros, o pai do Aluysio disse que poderíamos ficar com alguns.

Começamos a vasculhar as pilhas de livro como loucos... até que achamos uma pilha com alguns livros de assuntos militares, assunto que me interessava desde novo.

Desta pilha podíamos ficar com dois. Aluysio ficou com um que tinha um título como "Cuidado! O inimigo está escutando!", e eu fiquei com o "Estórias Navais Brasileiras".

Lançado em 1985, foi editado pelo Serviço de Documentação Geral da Marinha, com os autores Helio Leoncio Martins e Antonio Augusto Cardoso de Castro, descrito como "Casos pitorescos vividos pelos autores na Marinha, da Segunda Guerra Mundial até a viagem de circunavegação do Navio-Escola Almirante Saldanha em 1952/53". Ainda é vendido pela Marinha, por R$ 7,00

Vou apresentar nas postagens a seguir algumas histórias deste livro. Espero que gostem!

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Biblioteca

Prezados leitores,

Estou iniciando um novo projeto, chamado Biblioteca de Guerra.

Este projeto consiste em um site, onde podemos promover três objetivos: organização, comutação e compartilhamento de livros e diversos materiais.

- Organização: um sistema de biblioteca, onde podemos catalogar o acervo de livros, filmes e materiais que temos, etiquetá-los, e localizarmos rapidamente um assunto, autor e etc, e sabermos onde eles estão.

- Comutação: com os acervos de cada um de nós cadastrados, poderemos saber quem tem qual livro e material. Se nos interessarmos por algum, podemos entrar em contato com o seu proprietário, e perguntar mais sobre ele, pedir uma cópia de um capítulo, ou mesmo pedir emprestado. O sistema é inclusive, capaz de gerenciar empréstimos que fazemos à amigos e pesquisadores, como em uma biblioteca (creio que muitos de nós já perdemos alguma coisa assim...).

- Compartilhamento: achou algum livro interessante que está disponível na Internet? Podemos cadastrá-lo também no projeto, e todos nós teremos o link ( sem "pirataria").

O que vocês acham da ideia? Estou ansioso pelos seus comentários e sugestões, e espero que a aderência seja grande!

Uma versão inicial do projeto está disponível em: http://bibliotecadeguerra.hostzi.com/ Ainda estou adaptando o sistema OpenBiblio para os objetivos, e fico no aguardo se suas opiniões e sugestões.




Abraços,


Raphael Saldanha